Quando falamos sobre o que são crimes tributários geralmente lembramos de sonegação e fraude. Mas o que é sonegar? O que é fraudar? Você certamente saberá responder essa pergunta de uma forma bem simples, pois a essência da resposta todos nós sabemos: Sonegar e fraudar correspondem a enganar o fisco para não pagar os tributos devidos. No entanto, precisamos saber bem mais do que isso. Se engana quem acha que isso está muito longe do nosso dia a dia, apenas nos noticiários, envolvendo grandes empresas ou famosos.
Pequenas e médias empresas estão cada vez mais na mira da fiscalização. Isso se deve ao aumento de irregularidades constatadas nos últimos anos pelas Receitas. Em 2017, por exemplo, 100 mil micro e pequenas empresas sofreram um “bloqueio” no Simples Nacional, em razão de irregularidades no preenchimento de declarações para tentar conseguir isenções que não tinham direito.
Podemos citar, também, o recente entendimento do STF sobre o ICMS, que, basicamente, criminaliza os casos de não recolhimento desse tributo quando já declarado. Soma-se a isso o fato de vivermos sob a autoridade de um Estado cada vez mais paranoico e a cada dia com mais ferramentas de fiscalização e controle à disposição.
O resultado da equação é simples: somos todos vistos como potenciais infratores. Empresários, empresas, colaboradores, autônomos, voluntários, políticos, servidores públicos… ninguém se salva. Tanto que, em matéria de crimes tributários, por exemplo, não raramente a inadimplência é tratada como sonegação, levando o sócio para o banco dos réus, mesmo não tendo nada a ver com a situação.
Quem deve se preocupar com crimes tributários?
Ao falarmos de crimes, falamos também de pessoas físicas. Em nosso país, as empresas não respondem nessa esfera, apenas os agentes responsáveis, especialmente sócios e diretores. Por isso, conhecer com clareza as condutas consideradas criminosas é muito importante para o empresário, pois ajuda numa melhor tomada de decisão e previne ele a empresa de riscos desnecessários – e isso vale para todos os tipos de infrações, não só as fiscais.
Afinal, seja um culpado ou um inocente, as consequências para a vida da pessoa e da empresa podem ser nefastas caso sejam envolvidas em algum caso criminal. Principalmente se esse caso envolver dinheiro público, como nos crimes tributários. Os problemas acontecem desde o constrangimento de ser réu em um processo, até pela imagem da empresa, que fica manchada e tem seu funcionamento afetado. As consequências podem ir mais além, como com uma eventual condenação (reincidência, multa, reparação do dano, pagamento de serviços comunitários e, a depender do caso, até a prisão).
Sem mais delongas, vamos mostrar as principais condutas previstas na nossa legislação que configuram crimes tributários e como é possível se prevenir dessas situações.
Crimes tributários da Lei 8.137/90 – Artigo 1º | Pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa
Esse artigo torna crime “suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas”
“Suprimir”, neste artigo, está relacionado a inadimplência/evasão total, omissão de pagamento. “Reduzir”, por outro lado, é a inadimplência/evasão parcial ou incompleta. O que deve ter seu pagamento “suprimido” ou “reduzido” são:
– Tributo: Os tributos são os impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais.
– Contribuição social: A menção das contribuições sociais na lei foi desnecessária, pois elas já são uma espécie de tributo, conforme acima indicado. Não se incluem aqui as contribuições previdenciárias ou da seguridade social, que são protegidas por crimes previstos no Código Penal, que falaremos mais pra frente.
– Acessório: é a multa que surge com o descumprimento de uma obrigação acessória. Elas são condutas que o contribuinte precisa fazer (ex.: escriturar livros), deixar de fazer (ex.: receber mercadorias sem nota fiscal) ou tolerar (ex.: fiscalização).
Contudo, não basta a mera inadimplência. É preciso que ela ocorra através de uma das formas previstas na lei. O artigo 1º nos traz cinco incisos com condutas consideradas fraudulentas. É através dessas condutas que a supressão ou a redução tem que acontecer para que esse artigo e sua pena sejam aplicáveis. São elas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
O dever de prestar informações às autoridades competentes, como fiscais, auditores, delegados e superintendentes das Receitas, é um exemplo de obrigação acessória. Em muitos casos, é com base nas informações fornecidas pelo próprio contribuinte que o fisco vai exigir o tributo. Assim, ao se furtar de prestar uma informação ou prestar uma declaração falsa, se obtém êxito em sonegar total ou parcialmente o valor que seria realmente devido, consumando o crime.
Exemplo: Não entregar a declaração de rendimentos (omissão de informação), para não pagar o imposto.
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
É a introdução de elementos que não correspondem à realidade em documento ou livro, ou a não introdução de elemento algum referente a fato que gere obrigação tributária.
Exemplos: lançamento no livro de saída de notas fiscais de mercadorias com valores menores aos valores das notas fiscais; omissão do registro de entrada e saída de mercadoria para não pagar impostos.
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
Corresponde a fabricar um documento referente à operação tributável até então inexistente, ou modificar um já existente.
Exemplos: nota calçada (quando a nota é preenchida a mão, com um calço entre as vias. A via preenchida com a informação verdadeira é entregue ao cliente, enquanto a outra é preenchida com valor menor posteriormente); nota paralela (mais de um formulário de notas é impresso, com números iguais, sendo o preenchido com menor valor utilizado na contabilidade).
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
Trata-se do mercado ilegal de notas “frias”. Essa conduta é praticada por quem prepara, produz, distribui, provê, entrega ou coloca em circulação e quem usa o documento falso ou com informações falsas, logicamente com o objetivo de suprimir ou reduzir tributo.
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Apesar de perigosa, essa é uma prática recorrente. Sem a expedição da nota, não há registro da operação para viabilizar a fiscalização, consumando a supressão ou redução. Pode acontecer tanto pela recusa do vendedor ou prestador de serviço ao cliente, quanto com a concordância deste (deixar de fornecer). Também pode ser o caso da nota estar em desacordo com as normas, por exemplo, com a descrição irregular.
Vale relembrar, para que ocorra o crime, essa e as demais condutas tem que visar a supressão ou redução de tributos.
Crimes tributários da Lei 8.137/90 – Artigo 2º | Pena de 6 meses a 2 anos de detenção, e multa
O segundo artigo da lei traz uma abordagem um pouco diferente. Como visto, no artigo anterior era necessária a “supressão” ou “redução” de tributos. Já neste caso, a lei prevê algumas condutas que configuram crime independentemente da ocorrência da inadimplência. Por isso, a sua pena ser mais branda. Nele não fala em “suprimir” ou “reduzir”, apenas nos diz que “Constitui crime da mesma natureza”, isto é, crime contra a ordem tributária:
I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
Esse dispositivo é semelhante ao previsto no primeiro inciso do artigo anterior, mas um pouco mais amplo, pois traz a expressão “outra fraude”. Ele se aplica quando a irregularidade fiscal é identificada antes do dano realmente acontecer.
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
Também chamado de “apropriação indébita tributária”, compreende o não repasse aos cofres públicos do montante descontado (retido na fonte) ou cobrado (quando o valor é cobrado de terceiros).
Exemplo: não recolher aos cofres públicos o ICMS próprio ou em substituição; não recolher os valores descontados à título de impostos sobre a renda, dos salários da empresa.
A exceção é a contribuição de seguridade social, que é prevista em outro crime, no Código Penal. Ele será visto mais à frente.
III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
Aplica-se quando ocorrem desvios na destinação de recursos resultantes de incentivos fiscais.
Exemplo: para conceder um documento que possibilitará a dedução de Imposto de Renda, o diretor de uma entidade filantrópica exige para si uma parte do valor que o doador descontará do imposto.
IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
Tem aplicação quando ocorre desvio de finalidade pela pessoa jurídica na aplicação de recursos de incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberada.
Exemplo: É concedida à empresa redução tributária para modernização de equipamentos industriais, mas o recurso é destinado para outro fim.
V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
É também conhecido como “caixa dois”, uma contabilidade paralela, utilizando programa com informações diversas daquelas fornecidas à Fazenda.
Esse artigo se aplica caso não haja as mencionadas “supressão” ou “redução”, caso contrário se aplica o artigo 1º. Quem responde é tanto quem usa (ex. empresário) quanto quem divulga o programa (ex. profissional de informática).
Crimes do Código Penal – Artigo 168-A | Pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa
Aos crimes tributários do artigo 168-A foi dado o nome de apropriação indébita previdenciária. Basicamente ele ocorre quando o agente simplesmente não repassa os valores de contribuição social a quem de direito (União e INSS), nos prazos previstos em lei. É como se ele se apropriasse de algo que, até então, possuía licitamente.
O dispositivo legal é bem claro ao descrever esse delito quando diz “Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional.” Mas não é somente isso, esse artigo também sujeita à mesma pena “[…] quem deixar de:”
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
Aqui tratamos basicamente da mesma hipótese, mas quando ocorre a retenção de contribuições sociais direto na fonte.
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
Trata-se dos casos em que o valor das contribuições sociais estão embutidas no preço final do produto ou serviço, mas mesmo assim o valor não é recolhido à Previdência.
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
Temos a aplicação desse inciso quando o salário-família não é pago ao colaborador segurado, mesmo tendo a empresa sido beneficiada com a devida dedução no recolhimento da contribuição social.
Crimes do Código Penal – Artigo 337-A | Pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa
Já ao artigo 337-A foi dado o nome de sonegação de contribuição previdenciária, que se assemelha aquela primeira figura que apresentei. Isto porque a lei também fala em “suprimir ou reduzir”, mas se refere especificamente às contribuições sociais previdenciárias e seus acessórios. Por isso, ele prevê condutas em seus incisos que indicam a forma como essa supressão ou redução têm que ocorrer, para que se diferencie de uma mera inadimplência. São elas:
I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;
O inciso fala por si só. Os segurados a seu serviço não são todos lançados na folha de pagamento pelo empresário, e dados e informações exigidas pelas leis previdenciárias não são informados, permitindo a sonegação.
II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;
Nessa a hipótese, com o objetivo de suprimir ou reduzir a contribuição previdenciária, o agente deixa de lançar nas contas específicas dos livros diários e razão as quantias descontadas dos segurados e as devidas pelo empregador ou tomador de serviços, sendo considerada um dos crimes tributários.
III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias
O agente não comunica corretamente ao órgão previdenciário o que lhe é exigido, ou o faz declarando um valor menor falso, suprimindo ou reduzindo contribuições calculadas sobre esses valores.
O que fazer caso cometa um crime tributário?
Como vimos, a legislação penal está atrelada à legislação tributária que, por sua vez, é bastante complexa e cheia de armadilhas. Com isso, fica bastante claro o perigo ao qual todo empresário está exposto em sua atividade.
Caso já haja um processo por causa de alguns dos crimes tributários, nem tudo está perdido. É necessária a análise minuciosa de vários fatores. São eles:
- A espécie e o valor do tributo;
- Se ele era devido ou não;
- O histórico do empresário;
- O eventual porquê da irregularidade;
- Se esta foi intencional ou não;
- Quem foram os reais responsáveis.
Um exemplo de recurso para crime tributário está relacionado ao valor do tributo. Se ele for baixo, é possível a aplicação do princípio da insignificância, que exclui o crime.
Como extinguir um processo de crime tributário?
Em outros casos, é possível o pagamento ou parcelamento e o processo criminal poderá ser extinto. Pode-se também, discutir se houve dolo na conduta. Só com essa análise é que se pode definir um caminho adequado para a defesa prosseguir. Mas, de qualquer modo, a mentalidade que devemos ter é a de sempre pensar no momento anterior. Isto é, enxergar a prevenção como o melhor caminho, pois, com a antecipação dos riscos – os quais são bastante variáveis – é possível evitar um mal ou dano que pode vir a ser gigantesco.
E o que não faltam são formas de prevenção. Até o planejamento adequado do negócio pode ser um instrumento, pois envolve o estudo da tributação, e a partir dele o empresário sabe que não precisará se envolver em crimes para se manter no mercado ou sobreviver.
Também é possível a aplicação do famoso compliance, que é aplicável em qualquer tamanho de negócio, a partir do qual profissionais com conhecimento técnico podem dar ao empresário um mapa dos riscos e meios de mitigá-los. Além disso, é possível afunilar ainda mais, aplicando o criminal compliance, que nada mais é do que a implementação de técnicas que evitam ou minimizam o descumprimento de regras e, consequentemente, a responsabilização do empresário e os prejuízos ao seu negócio.
* Este conteúdo foi escrito pelo advogado criminalista Eduardo Rovaris.
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